Publicado em 20 de dezembro de 2002, Dylan Dog #196 – “O que aconteceu com o Papai Noel?” é uma das raras histórias natalinas do Investigador do Pesadelo e, como não poderia deixar de ser, o Natal aqui está longe da habitual festa acolhedora. Escrita por Pasquale Ruju e ilustrada por Gianpiero Casertano, a edição transforma símbolos tradicionais da data em elementos de horror, melancolia e violência, resultando em um perturbador slasher natalino.
Neve, isolamento e um Papai Noel Assassino
A trama acompanha Dylan Dog e Groucho, no País de Gales, retornando a
Londres após um caso mal-sucedido. No caminho, uma forte nevasca os obriga a parar
nas proximidades da pequena cidade galesa de Snowmouth, precisando abastecer o
carro. O nome do vilarejo não passa despercebido aos
leitores mais atentos: a referência à Innsmouth, cidade fictícia criada por H.
P. Lovecraft, já indica que nada de bom os espera.
É justamente véspera de Natal, Dylan e Groucho chegam a um posto de combustível administrado por Serena e seu pai. Sem gasolina no local, vão até ao Restaurante anexo ao Posto, onde interagem com Serena e pessoas da comunidade, enquanto a cidade se prepara para as festividades. O clima, no entanto, é tudo menos festivo.
A maldição dos berserkers
Paralelamente, Ruju introduz um elemento mitológico
poderoso: a maldição dos berserkers, guerreiros vikings dominados por fúria
incontrolável. No mundo moderno, esses indivíduos são vistos como doentes
perigosos, confinados em instituições para evitar tragédias. É nesse contexto
que conhecemos Roald Thornsen, um gigante de barba e cabelos brancos, marcado
física e emocionalmente pela maldição. Ele tem dentes serrilhados e tatuagens
nórdicas na face.
Roald foge de um hospital-prisão na Noruega, deixando um
rastro de sangue, e tempos depois acaba chegando a Snowmouth. Lá, inicia uma
sequência de assassinatos brutais. Suas primeiras vítimas são um Papai Noel
bêbado e o dono de uma loja de brinquedos, que planejavam uma ação promocional na
véspera de Natal. Após matá-los, Roald veste a roupa do Papai Noel e empunha um
sino, transformando a figura símbolo da bondade em uma presença aterradora.
Casertano em uma trama nevada e violenta
Embora Gianpiero Casertano não esteja aqui em sua fase mais
inspirada, especialmente se compararmos com obras-primas como Depois da
Meia-Noite (DyD #26), Memórias do Invisível (DyD #19), O Senhor do Silêncio
(DyD #39) e Totentatz (DyD Gigante #1). As cenas de ação são ótimas, com o
Roald berserker visualmente imponente, com violência crua e convincente.
O grande trunfo visual da edição está no cenário nevado:
Casertano domina a ambientação fria e opressiva, usando o branco da neve, em
uma noite escura e tenebrosa. O resultado é uma atmosfera sufocante, típica de
histórias de confinamento, em que ninguém pode fugir.
A capa de Angelo Stano não dialoga diretamente com os
acontecimentos da história, mas cumpre bem seu papel simbólico. Simples, direta
e poderosa, ela ilustra literalmente o título “O que aconteceu com o Papai
Noel?”, reforçando o tom de estranhamento e ironia que permeia a edição.
Uma narrativa investigativa
Justamente pela cidade estar isolada pela nevasca, o elenco de personagens é reduzido, porém bem
trabalhado. Serena se destaca como co-protagonista e peça-chave para a condução
da trama, enquanto Dylan atua mais como ex-detetive da Scotland Yard,
auxiliando a polícia local com sua experiência investigativa, do que
propriamente como Investigador do Pesadelo. Seu olhar detetivesco brilha aqui,
encontrando pistas difíceis e muito úteis para o desenrolar da história.
Ruju explora com eficiência a melancolia do Natal,
especialmente ao desenvolver o passado trágico de Roald e suas motivações. Aos
poucos, o leitor compreende que suas vítimas não são aleatórias: cada morte
está ligada a uma injustiça do passado. No ato final, o roteiro busca um
lampejo de humanidade e redenção, sugerindo que, mesmo em meio à brutalidade,
ainda existe espaço para um eco da magia natalina, ainda que distorcida.
O verdadeiro horror
No fim, Dylan Dog #196 reafirma um dos temas centrais da
série: os verdadeiros monstros raramente são sobrenaturais: os verdadeiros
monstros, muitas vezes são os próprios seres humanos, adultos ou crianças, sem
distinção.
Uma leitura ideal para quem busca um Natal fora do óbvio,
sombrio e reflexivo, que utiliza símbolos tradicionais para discutir exclusão,
violência e culpa. Ruju até mesmo toca no assunto da marginalização de
imigrantes, minorias e excluídos sociais.
Não é uma das histórias mais icônicas do personagem, mas certamente é uma das mais memoráveis dentro de sua rara produção natalina.










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